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Justiça de MT transforma vida de menor em conflito com a lei

Justiça de MT transforma vida de menor em conflito com a lei

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As mãos que já seguraram uma arma para praticar um assalto aos 14 anos, acender um cigarro aos 10 e passar drogas aos clientes do tráfico hoje seguram processos judiciais, digitam códigos para pesquisar processos para advogados e amarram firme a faixa branca do quimono de jiu-jitsu.

Após ser preso por roubo, levado à delegacia de polícia e encaminhado à Vara da Infância e Juventude de Cuiabá, D.H.B.J, hoje com 16 anos, viu sua vida se transformar do cenário do crime para o dia a dia de trabalho como estagiário no Fórum de Cuiabá e para o esporte praticado no batalhão da Ronda Ostensiva Tática Móvel (Rotam), da Polícia Militar.

“Quando eu era mais novo, eu ia para um mundo muito pior. Hoje eu vejo que existe coisa ruim e existe coisa boa. Eu tenho meus momentos ruins, mas eu prefiro caminhar nas coisas boas. Penso todo dia: olha o que eu fazia, olha quem eu sou hoje em dia. Quando eu era pequeno, muita gente falava: ele nunca vai ser nada. Olha onde eu estou agora. É só alegria”, reflete o adolescente.

A oportunidade para começar a ter planos e sonhos veio a partir do trabalho da servidora pública Alciane Rodrigues Alves, gestora da Central de Medidas Socioeducativas de Cuiabá, que é o elo entre as determinações judiciais da Vara da Infância e os adolescentes em conflito com a lei.

“Para mim, é espetacular porque nós notamos a evolução deles de forma muito rápida. Adolescente, de hoje para amanhã, já mudou o pensamento, muda a forma de falar, muda a perspectiva de vida, muda a forma de tratar a família. Na execução de medida, o que nós fazemos é dar esperança a eles. Para nós, como servidores, agilizar essa parceria entre o Tribunal de Justiça junto à Rotam, ao Bope, é pouco, mas para eles, é mudança de vida”, expressa.

D.H. começou a estagiar no fórum juntamente com outros nove jovens que também cumprem medidas socioeducativas e passaram por um processo seletivo por meio do Centro de Integração Empresa-Escola (CIEE), sob supervisão da Vara da Infância. O gestor da Vara Especializada de Execução Fiscal de Cuiabá, Eduardo José Graça da Costa, organiza o trabalho dos menores e conta os pontos positivos desta experiência.

“Eu costumo dizer a eles que chegam aqui meninos e saem homens. Geralmente, começam com 16 anos e terminam o estágio aos 18. Eles saem responsáveis, já com uma forma e uma postura diferente diante da sociedade, pensando em faculdade, em desenvolver uma carreira, organizar o currículo. Aquela energia adolescente acaba sendo canalizada para um desenvolvimento do estudo, de uma rotina de trabalho rígida, com horários, regras, que acrescenta na vida deles e na sociedade”, analisa o gestor.

No âmbito do trabalho desenvolvido na vara, os estagiários fazem uma grande diferença, explica Eduardo, por meio do atendimento ao público, localização de processos e organização dos fluxos processuais. Diante de um volume de aproximadamente 60 mil processos que tramitam atualmente na Vara Especializada de Execução Fiscal, a mão de obra dos estagiários de nível médio é essencial.

“O trabalho deles acrescenta muito, eles são uma importante força de trabalho para nós. Para nós, da equipe, o trabalho deles é essencial. Nos momentos em que eles precisam se ausentar para o acompanhamento que é feito pela Vara da Infância, é nítida a diferença na produtividade da vara”, acrescenta.

Diferença no currículo

Dentre as diversas benesses do trabalho de D.H. e seus colegas na vara, a diferença que o Poder Judiciário faz no currículo desses adolescentes abre portas para o futuro e para sonhos que eles jamais pensavam ser possíveis.

“Vejo como uma boa chance, não são todos os currículos que vão ter isso, não são todos que vão ter esse momento, que vão estar no mesmo lugar que eu. Antes de trabalhar aqui, eu trabalhava com meu pai em obra. O trabalho é pesado, mas eu não tinha vergonha. Andava sujo, como servente, e eu pensava: o que eu vou ter no meu currículo? Não vou ter nada porque obra não assina currículo. Agora eu tenho uma coisa que eu fiz. Quero continuar aqui, terminar o estágio, mas não quero seguir no Judiciário. Agora eu tenho um sonho. Quero fazer medicina”, revela.

A juíza Adair Julieta da Silva apoia a iniciativa na unidade judiciária desde 2016, quando o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) recomendou aos tribunais a contratação de mão de obra de adolescentes em conflito com a lei nos órgãos jurisdicionais. Desde então, a Corregedoria-Geral da Justiça de Mato Grosso regulamentou a atividade em âmbito estadual e foi iniciado o trabalho no setor.

“Acho fantástico o papel que o Poder Judiciário mato-grossense exerce na sociedade, nas famílias e na vida desses adolescentes. Evita que jovens voltem a delinquir, e, consequentemente, afetar uma sociedade de forma geral. Para a família desse adolescente, as mudanças que vão acarretar com essa oportunidade de trabalho são muito grandes. Terminando o ensino médio, esse adolescente sai com um currículo bom e é mais fácil para ele quando apresenta que trabalhou no Poder Judiciário, apesar dele ter feito um ato infracional lá no passado. Muitos saem engajados porque querem fazer o curso de Direito, querem ser advogados, saem com sonhos. É uma experiência única que podemos vivenciar trabalhando juntamente e acompanhando a vida desses adolescentes”, assinala.

Artes marciais

No início deste ano, foi firmada uma parceria entre o Poder Judiciário e a Polícia Militar de Mato Grosso, com o propósito de fornecer aulas de jiu-jitsu na Rotam e judô no Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope) aos adolescentes em conflito com a lei. Três vezes por semana, depois de ir à escola pela manhã, trabalhar no fórum à tarde, D.H. vai para a aula de jiu-jitsu no período noturno, onde consegue aliviar a cabeça, como ele diz, além de diminuir o estresse e enfrentar melhor os problemas do cotidiano.

O sargento Roderiky Cardoso Ferreira é o professor de jiu-jitsu na academia da Rotam e explica os benefícios da luta na vida dos garotos. “O fator arte marcial entra muito forte na questão da disciplina, da formação do atleta como cidadão. Ele potencializa de todas as maneiras. Você nota diferença de comportamento na disciplina, na concentração, na evolução do desenvolvimento físico. Muitas vezes eles chegam sob más influências do local onde vivem, de pessoas envolvidas com o tráfico e com a criminalidade. Quando ele entra aqui, recebe um choque. Vê atletas profissionais, imagens motivacionais, o ambiente do quartel militar, e quando ele vai agregando e gostando da arte marcial, aquilo se transforma em um sonho, motiva ele e é o que faz a mudança acontecer”.

A mudança é nítida também para aquela que gerou a vida do rapaz. “Meu filho foi um criminoso, mas hoje é meu orgulho. Ver ele assim tão bonitinho, trabalhando, lutando com sacrifício, fazendo as coisas certas, falando que vai estudar para ser médico, é um orgulho. Foi doído, mas hoje vejo que a melhor coisa foi ele ter sido preso. Se não tivéssemos passado por essa etapa, acho que nem estaria com meu filho mais. A Justiça foi como uma mãe que nos acolheu, porque não jogou ele na cadeia, todos, desde o juiz à moça da recepção, me falaram o caminho que eu tinha que seguir para resgatar ele para dentro de casa, nos incentivaram a levantar e esquecer o passado”, afirma a mãe de D.H., Chirley Teixeira da Rocha.

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